Por Nestor Loureiro (ser humano desde 1910)
Antes de tratar com minúcias sobre o espetáculo promovido pelo famoso Cirque du Soleil no Brasil, gostaria de começar esta coluna com a premissa básica e praticamente incontestável de que todo circo é uma merda. E como tal, variam em sua diversidade tão somente nas cores, densidades e adornos de material orgânico não digerido – como uma berlota de milho ou mesmo um caroço de laranja misturados ao cocô. Isso me leva a crer, sem constrangimentos, que a despeito de sua variedade sedutora, tanto no caso do circo como no caso da merda, quem não viu não perdeu nada.
Antes de tratar com minúcias sobre o espetáculo promovido pelo famoso Cirque du Soleil no Brasil, gostaria de começar esta coluna com a premissa básica e praticamente incontestável de que todo circo é uma merda. E como tal, variam em sua diversidade tão somente nas cores, densidades e adornos de material orgânico não digerido – como uma berlota de milho ou mesmo um caroço de laranja misturados ao cocô. Isso me leva a crer, sem constrangimentos, que a despeito de sua variedade sedutora, tanto no caso do circo como no caso da merda, quem não viu não perdeu nada.
Chego a indagar a mim mesmo: quem, qualquer que seja o tempo e espaço, já se divertiu verdadeiramente com um palhaço; surpreendeu-se com o mágico; sofreu com a contorcionista; temeu pelo trapezista ou tremeu com os animais? Tenho grande convicção de que, no íntimo de cada elemento da platéia, existe, por detrás da racionalidade do aplauso, uma mente psicologicamente condoída por um inexplicável sentimento de culpa que, no final das contas, procura redimir com palmas o débito social sentido em face dos indivíduos do circo.
Mas o Cirque du Soleil se coloca, inegavelmente, acima dos outros circos e, sobretudo, da própria instituição circo. Para sua trupe, se é que o termo não os ofende, o Cirque du Soleil representa um salto evolutivo de duzentos anos, pois que explicitamente avesso às motivações fundantes do bom e velho picadeiro do século dezenove, repleto de aberrações e animais exóticos. O circo clássico, desde então, cumpriu com sucesso a missão de saciar a curiosa morbidez humana e assim permaneceu até o surgimento do “Cirque” – cujo marketing consiste justamente na apresentação de um espetáculo asséptico e devidamente civilizado, capaz de despertar o interesse do afeminado e televisivo homem pós-moderno. Gloriosamente, enfim, a morbidez cedia lugar ao impreciso termo por nós chamado de “arte”.
Aproveitando o ensejo do tema “arte”, gostaria de convidá-los a uma breve pausa nas elocubrações sobre o Cirque e, bem rapidamente, tecer alguns comentários sobre este fabuloso gancho. Isto porque a arte, na forma como o conceito vem sendo empregado, não significa mais que o produto artesanal, imbuído de uma suposta criatividade, de pessoas acostumadas ao mundo capitalista pré-pronto que desfrutam sem questionar. O que não vem da loja, portanto, é arte, e artista, geralmente, todo aquele que, de uma forma ou de outra, não precisa trabalhar para sobreviver (mas não quer dar essa pinta). Não sei se vocês conhecem um bairro do Rio chamado Santa Teresa, mas... ah, deixa pra lá. Voltemos ao Cirque.
O caso é que o Cirque, ao refutar a presença do bizarro nas suas apresentações, não conseguiu ir muito além de um espetáculo politicamente correto e, por isso mesmo, extremamente chato. Como se, de repente, o surrealismo (que, no original francês sur real, significa sobre o real) fosse substituído pela pop art (que, no fim das contas, significa arte vendável) e, assim sendo, a realidade distorcida de um Salvador Dalí cedesse lugar à plasticidade pasteurizada e palatável de um Andy Warrol. Com isso, vimos a mulher barbada eslava perder seu posto para a jovenzinha carente do terceiro mundo, e, desta feita, não só aplaudimos tal iniciativa como, sobretudo, pagamos bem mais caro por ela.
Acontece que eu sou jovem, sou carente e sou do terceiro mundo. Tipos assim, como eu e a tal jovenzinha do Cirque, somos demasiadamente comuns e, porque não dizer, insossos, se comparados à obscura presença de uma mulher barbada não lusitana no palco. Por tudo isso e muito mais, estou certo de que o Cirque du Soleil, ao abandonar suas raízes, deixou para trás não só a essência do picadeiro clássico, mas, especialmente, perdeu de vista a própria noção do espetáculo e do entretenimento em sua forma mais lúdica e tipicamente humana. Eu nunca assisti o Cirque du Soleil, mas...
Na única vez em que fui a um circo em toda minha vida, lá pelos oito anos, detestei os palhaços; assumi que o mágico só podia ser um portador de déficit de atenção; achei a contorcionista enfadonha e, confesso, flertei com o desejo de ver esborrachado no chão o prepotente trapezista – para, logo em seguida, ser devorado pelo leão magro fujão.
Contudo, não saí do picadeiro sem aquele encanto típico da lona e, confesso, por mais contraditório que pareça, fui embora maravilhado com ela: as instalações não confiáveis, a falta de salubridade, as aberrações humanas, tudo, enfim, de precário, exerceu sobre mim um fascínio tão forte que, até hoje, perdura romantizado em minha memória afetiva. E eu, que odeio circo, vou fazer o que no Soleil sem os anões, as mulheres barbadas, os portadores de doenças degenerativas, o número do artista cego, surdo, mudo e tetraplégico, o feto-marionete que conta piadas de duplo-sentido e o atirador de facas bêbado seis vezes viúvo?
Tudo o que posso dizer sobre o Cirque du Soleil, de forma curta e grossa, é que NÃO VI E NÃO GOSTEI. Em todo o caso, se você é do tipo “ver para crer”, os ingressos mais populares do espetáculo estão disponíveis por módicos 150 reais e podem ser adquiridos no site da prodigiosa instituição financeira Bradesco. É só clicar www.bradesco.com .
Aviso
Conclamo todos aqueles que “viram e gostaram” a replicarem meus argumentos. Vivemos numa era democrática e, assim sendo, o pior que pode acontecer é a deturpação do seu depoimento. Afinal, como dizia o falido, “liberdade é uma calça jeans velha e desbotada”. Qualquer coisa para além disso, como nos mostra o fenômeno da assadura, não passa de balela norteamericana ou, pior, discurso do movimento estudantil. Em caso de discordância, por favor, procurem meu advogado rico – pois no próximo mês, felizmente, minha secretária estará comprometida com uma série de sevícias sexuais necessárias para a consolidação de seu mais novo aumento salarial.
Cordialmente,
Nestor Loureiro.
2 comentários:
Dê uma olhada no meu blog
http://gutomello.blogspot.com
Achei muito boa sua crítica sobre o circo da soberba !!!
adorei as camisetas...entra no meu blog tb
http://bigornatetraedrica.blogspot.com
parabéns.
Claudia Kras
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