terça-feira, fevereiro 13, 2007

COMO FOSSE UM CONFESSIONÁRIO...


Hoje não tem número, piada ou sacada qualquer. Há apenas um sentimento e suas repercussões. Então, diferente de todos os dias anteriores passados aqui, neste mundo virtual, pela primeira vez sinto necessidade de superar a voz do "eu lírico" que comanda este blog e abrir espaço - um espacinho, a bem da verdade - para um momento confessional. Contudo, como não pretendo trair a ontologia literária deste sítio e, sobretudo, tornar descritivamente enfadonho este momento de rara grandiosidade dolorosa, faço-me calar no que é só meu e dou voz à essência da qual todos partilhamos, nós, justamente nós, humanos, demasiadamente humanos. Assim, deixo com vocês um tal de Manoel Bandeira e sua eloqüente

Estatuazinha de Gesso

Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova
– o gesso muito branco, as linhas muito puras –
Mal sugeria imagem de vida
(embora a figura chorasse).
Há muitos anos tenho-a comigo.
O tempo envelheceu-a, carcomeu-a,
manchou-a de pátina amarelo-suja.
Os meus olhos, de tanto a olharem,
Impregnaram-na da minha humanidade
irônica de tísico.
Um dia mão estúpida
Inadvertidamente a derrubou e partiu.
Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos,
Recompus a figurinha que chorava.
E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo
mordente de pátina...
Hoje esse gessozinho comercial
É tocante e vive, e me fez agora refletir
Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.

2 comentários:

4rthur disse...

Às vezes somos quase siameses (saiu rimado, inadvertidamente). Pensava eu em postar exatamente esse poema do Bandeira, que já li pra sua flor uma vez na sua casa e tenho certeza que é o nosso (meu e teu) preferido. Saudades do amigo.

Diogo Lyra disse...

É isso mesmo cara, lembro exatamente desse dia, quando fiquei perplexo com o nível de profundidade do Bandeira e, desde então, venho ficando cada vez mais...