segunda-feira, abril 02, 2007

Livros, Discos e Sei Lá Mais o Quê # 09


Sei Lá Mais o Quê indicado: Os Mestres Loucos
Este impressionante documentário de apenas 30 minutos dirigido pelo antropólogo francês Jean Rouche é, incontestavelmente, um dos trabalhos etnográficos mais chocantes e sedutores já produzidos no século XX. Isto porquê o vídeo Les Maîtres Fous, filmado inteiramente em uma única e insólita tarde de 1955 em Accra, capital de Gana, retrata com riqueza e profundidade o tema da resistência cultural, realizada, no caso em questão, por meio da reapropriação nativa dos signos de dominação ostentados pelos povos colonizadores presentes na Costa do Ouro africana.

É neste centro urbano e comercial sob a égide do domínio britânico, cuja economia em pleno desenvolvimento atrai populações de todo o continente, que se desenrola a cerimônia dos Haouka, novos deuses apartados da tradição cultural africana que representam, no seu culto religioso, os poderes da técnica e da modernidade oriundos da estrutura social inglesa que por lá se impôs. Assim é que o "maquinista", o "piloto de caminhão", os "sentinelas" (que guardam o lugar sagrado com falsos rifles de madeira), o "general", o "tenente" e o "comandante" constituem entidades que se referem às transformações da milenar economia de subsistência africana em parte integrante da divisão internacional do trabalho como colônias ricas em mão-de-obra barata e em recursos naturais.

Jean Rouch estabelece o corte magistral que contrapõe o ritual dos Haouka ao da parada militar britânica no qual aquele se baseia, tornando clara a estratégia de desconstruir o modelo colonial de organização política da sociedade africana. O filme possui cenas fortes que vão da possessão dos praticantes ao sacrifício de um cachorro, e não deve ser visto por olhos demasiadamente ocidentalizados. Ficamos, agora, com um trecho da narrativa que acompanha as cenas deste incrível documentário:

"Os praticantes do culto Hauka, trabalhadores nigerienses reunidos em Accra, se reúnem à ocasião de sua grande cerimônia anual. Na ‘concessão’ (…) do grande padre Mountbyéba, após uma confissão pública, começa o rito da possessão. Saliva, tremedeiras, respiração ofegante…são os signos da chegada dos ‘espíritos da força’, personificações emblemáticas da dominação colonial : o cabo da polícia, o governador, o doutor, a mulher do capitão, o general, o condutor da locomotiva".

14 comentários:

Cascarravias disse...

cara, eu ia implicar pelo simples fato de ser um documentário 'etnográfico'. resolvi deixar a palhaçada de lado pra dizer que documentários sobre resistências e lutas são meus preferidos.

4rthur disse...

boa dica. Se tu tiver baixado, depois eu pego contigo pra assistir.

Tomara que meus olhos ocidentais aguentem o tranco.

Anônimo disse...

Diogo, você só indica essas coisas malucas?
Beijos
;)

Diogo Lyra disse...

Amigos, este vídeo pode ser adquirido na Maison de France (Av. Presidente Antônio Carlos, 58) ou mesmo alugado em locadoras mais "pra frentex" - como a Macedônia (Copacabana, Leme e Largo do Machado), por exemplo.
Abraços.

Cláudia I, Vetter disse...

OPA!

Obrigado por sua visita no meu blog, achei seu canto muito aconchegante, e realmente interessante (que nome bonito de blog!); espero que me concedas a honra de visitar-lhe.
Aprovada sua dica.


Cuide-se, tenha uma boa semana... t+.

Anônimo disse...

Diogo, meu docinho;

Sinto falta de gravatas em seu quintal.

Anônimo disse...

Caraca, que documentário mais sinistro...

4rthur disse...

Helga leva hoje o prêmio de comentário mais enigmático!

gigi disse...

Macedônia não me aceita como sócia porque não tenho telefone fixo.

Diogo, vem me ver!

Unknown disse...

Fala meu querido!!!!
Adoro esse filme tb....além da resistencia, o sincretismo cultural é pra mim o ponto alto. A forma como os elementos são re-significados, num contexto urbano e "moderno" insurgente.
mas vc não acha a mensagem final do Rouch, de que o culto seria um "remedio" eficaz na resolução dos problemas, um tanto datada e mesmo funcionalista?

Diogo Lyra disse...

Pois é Ana, pode até ser que aqui e acolá você encontre, por parte de Rouche, registros teóricos "datados". Contudo, ao menos para mim, boa parte de seu valor como etnógrafo nasce justamente da capacidade que tem a sua obra de ser reapropriada e, como no caso dos Haouka, ver-se constantemente resignificada por seus estudiosos. O francês nos deixou, por assim dizer, um "campo vivo", do qual podemos extrair variadas interpretações sem o intermédio do "intelectual".
Eu curto muito! E valeu pelo comentário - inteligente e sagaz!

Samantha Abreu disse...

Diogo.. que fantástico isso!

quero ver! quero ver
urgente-mente!

blah disse...

Fiquei curioso!! Abs

Cascarravias disse...

mas que serve como remédio pra esses pré-lógicos, isso serve