Livros, Discos e Sei Lá Mais o Quê # 09
Sei Lá Mais o Quê indicado: Os Mestres Loucos
Este impressionante documentário de apenas 30 minutos dirigido pelo antropólogo francês Jean Rouche é, incontestavelmente, um dos trabalhos etnográficos mais chocantes e sedutores já produzidos no século XX. Isto porquê o vídeo Les Maîtres Fous, filmado inteiramente em uma única e insólita tarde de 1955 em Accra, capital de Gana, retrata com riqueza e profundidade o tema da resistência cultural, realizada, no caso em questão, por meio da reapropriação nativa dos signos de dominação ostentados pelos povos colonizadores presentes na Costa do Ouro africana.
É neste centro urbano e comercial sob a égide do domínio britânico, cuja economia em pleno desenvolvimento atrai populações de todo o continente, que se desenrola a cerimônia dos Haouka, novos deuses apartados da tradição cultural africana que representam, no seu culto religioso, os poderes da técnica e da modernidade oriundos da estrutura social inglesa que por lá se impôs. Assim é que o "maquinista", o "piloto de caminhão", os "sentinelas" (que guardam o lugar sagrado com falsos rifles de madeira), o "general", o "tenente" e o "comandante" constituem entidades que se referem às transformações da milenar economia de subsistência africana em parte integrante da divisão internacional do trabalho como colônias ricas em mão-de-obra barata e em recursos naturais.
Jean Rouch estabelece o corte magistral que contrapõe o ritual dos Haouka ao da parada militar britânica no qual aquele se baseia, tornando clara a estratégia de desconstruir o modelo colonial de organização política da sociedade africana. O filme possui cenas fortes que vão da possessão dos praticantes ao sacrifício de um cachorro, e não deve ser visto por olhos demasiadamente ocidentalizados. Ficamos, agora, com um trecho da narrativa que acompanha as cenas deste incrível documentário:
"Os praticantes do culto Hauka, trabalhadores nigerienses reunidos em Accra, se reúnem à ocasião de sua grande cerimônia anual. Na ‘concessão’ (…) do grande padre Mountbyéba, após uma confissão pública, começa o rito da possessão. Saliva, tremedeiras, respiração ofegante…são os signos da chegada dos ‘espíritos da força’, personificações emblemáticas da dominação colonial : o cabo da polícia, o governador, o doutor, a mulher do capitão, o general, o condutor da locomotiva".
14 comentários:
cara, eu ia implicar pelo simples fato de ser um documentário 'etnográfico'. resolvi deixar a palhaçada de lado pra dizer que documentários sobre resistências e lutas são meus preferidos.
boa dica. Se tu tiver baixado, depois eu pego contigo pra assistir.
Tomara que meus olhos ocidentais aguentem o tranco.
Diogo, você só indica essas coisas malucas?
Beijos
;)
Amigos, este vídeo pode ser adquirido na Maison de France (Av. Presidente Antônio Carlos, 58) ou mesmo alugado em locadoras mais "pra frentex" - como a Macedônia (Copacabana, Leme e Largo do Machado), por exemplo.
Abraços.
OPA!
Obrigado por sua visita no meu blog, achei seu canto muito aconchegante, e realmente interessante (que nome bonito de blog!); espero que me concedas a honra de visitar-lhe.
Aprovada sua dica.
Cuide-se, tenha uma boa semana... t+.
Diogo, meu docinho;
Sinto falta de gravatas em seu quintal.
Caraca, que documentário mais sinistro...
Helga leva hoje o prêmio de comentário mais enigmático!
Macedônia não me aceita como sócia porque não tenho telefone fixo.
Diogo, vem me ver!
Fala meu querido!!!!
Adoro esse filme tb....além da resistencia, o sincretismo cultural é pra mim o ponto alto. A forma como os elementos são re-significados, num contexto urbano e "moderno" insurgente.
mas vc não acha a mensagem final do Rouch, de que o culto seria um "remedio" eficaz na resolução dos problemas, um tanto datada e mesmo funcionalista?
Pois é Ana, pode até ser que aqui e acolá você encontre, por parte de Rouche, registros teóricos "datados". Contudo, ao menos para mim, boa parte de seu valor como etnógrafo nasce justamente da capacidade que tem a sua obra de ser reapropriada e, como no caso dos Haouka, ver-se constantemente resignificada por seus estudiosos. O francês nos deixou, por assim dizer, um "campo vivo", do qual podemos extrair variadas interpretações sem o intermédio do "intelectual".
Eu curto muito! E valeu pelo comentário - inteligente e sagaz!
Diogo.. que fantástico isso!
quero ver! quero ver
urgente-mente!
Fiquei curioso!! Abs
mas que serve como remédio pra esses pré-lógicos, isso serve
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