quinta-feira, maio 24, 2007

Contos de Quinta...

De: Nestor
Para: Humanidade
(carta 02)


Me chamo Nestor Loureiro e conforme expliquei a vocês (malditos seres humanos de uma figa) em minha primeira carta, tenho o desejo e a convicção de que os homens serão varridos do planeta por um cataclisma ambiental logo um dia após a minha morte. Entretanto, ser humano que sou desde 1910, penso dia-a-dia, cada vez mais, no fim dos dias meus e, logo, também de todos os habitantes do globo. E ao pensar nisso, de forma mais que contraditória, sinto pena e raiva desses seres pensantes e irremediavelmente irracionais que vivem a negação de seu próprio fim, quando não passam de meros animais pretensiosos.

No entanto, diferente de nós, os outros animais não possuem consciência da finitude. Estão alheios ao término irremediável da vida, ainda que sua luta diária pela sobrevivência, aos olhos de um iludido humano, pareça ser um recado diário do fim. Nós, na qualidade de seres autodivinizados, inconformados com uma morte comum, com a fome dos vermes e a decomposição orgânica, sacrificamos nossa única certeza, que é a de se estar vivo, em nome de uma incerteza supostamente melhor. E eterna.

O que importa mesmo dizer – e peço perdão por tornar explícita essa digressão sem contexto – é que minha maneira de lidar com o problema da finitude é bastante simples e em perfeita consonância com meu método filosófico. Não acredito em nada para depois, não creio viver uma nova vida em um belo campo de golfe, cercado de anjos e outros seres assexuados, capazes de realizar uma série de façanhas tão incríveis – e tão afastadas da minha condição de simples habitante do paraíso – que resultaria, sem dúvidas, em uma eterna fonte de humilhação. Quase como viver em uma ditadura militar latino-americana financiada, treinada e legitimada pelos Estados Unidos.

A outra opção, se me lembro bem, também não é das mais agradáveis, pois resultaria em passar o resto da eternidade trabalhando em uma espécie de mina de carvão, comandada por um sádico troglodita chifrudo que não pensa duas vezes em botar no seu cu. Bem parecido com o capitalismo, eu diria, mas sem os atrativos de tudo aquilo que te enfiou naquele lugar: o sexo, as drogas, certas tendências políticas, a bebida e o cigarro, a difamação, o palavrão, a violência, o ócio, o vício, a vaidade, a heresia, a insensatez, a homossexualidade, a gargalhada, as segundas e terceiras intenções, a rasteira, a água fria, o sol raiando... em resumo, o controle e a abstinência total. Seria como viver da maneira como prega a Igreja e o empresário, só que levada a cabo pela força do demônio.

Assim, ciente de que a vida é uma experiência única, finita e insensata, procuro fazer jus a todo o esforço evolutivo que a natureza realizou para me conceder a única graça que um ser humano recebe, que é a da própria vida. A mim parece tão simples, mas infelizmente essa é a única dádiva da qual temos conhecimento e que, entretanto, é renunciada por um grupo espetacular de pessoas, ao sabor de seu arbítrio e ao léu da imensidão.

Eu, como já disse, não acredito que haja um ser superior e observador que guarde consigo todos os meus predicados e todos meus defeitos (e para quem os contará?). Meus atos valorosos e os fatos mesquinhos. O lobo na pele do cordeiro e o cordeiro na pele do lobo. Não me deixo possuir por um juiz divino ou júri de homens. Possuo, sim, um público interno. Ele é tão vasto e diverso quanto o número de células, e neurônios, e átomos, e prótons, e elétrons, que vibram e multiplicam-se incessantemente em meu favor. Eles, nesse exato momento, gargalham – alguns vociferam – da estupidez comum, e deles têm pena. Eles, nesse exato momento, esperam apenas pelo seu próprio fim.

Os homens não merecem a vida, nem aqui, nem acolá, pois só fazem destruí-la com seus anseios sobre-humanos e seu comportamento vulgar. Entretanto, caso me encontre absolutamente errado, receberei mais do que pedi e viverei, sob nova forma, outras oportunidades de explorar ao máximo a tal nova existência – ainda que seja ao lado dos malditos anjos assexuados ou do capataz capitalista.

O alento é que enquanto houver consciência, há resistência. Para quem valoriza a mente já basta. Já para os que curtem sapatos...


* para ler a primeira carta de Nestor Loureiro clique aqui.

13 comentários:

Anônimo disse...

Phoda

Roberta disse...

Hahahaha, muito bom meeeesmo esse seu blog!!!! Adorei o velho Nestor!!!
Se me permite, farei um link do seu blog, ok?!
Beijos!

Tamires disse...

AI,O VELHO ME ASSUSTA!MAS ELE É INCRÍVEL.TEXTO MUITO REFLEXIVO.

QUANTO MAL HUMOR!
RSRS
...
"seres autodivinizados",essa foi d+.rsrsrrsrsrrs

4rthur disse...

Velho Nestor, enquanto houver gelo, há esperança.

Anônimo disse...

Prezados (as) senhores (as)

Para a felicidade daqueles que primam pelo respeito e resguardo das intimidades alheias, e para a tristeza de todos que sentem prazer em bisbilhotar assuntos pessoais de desconhecidos, informo que o Sr. Diogo Lyra foi intimado a comparecer ao tribunal para prestar esclarecimentos sobre o uso indevido dos diários de meu cliente, Theodoro Botelho Pinto, bem como judicialmente proibido de continuar a revelar as histórias contidas no mesmo.

Aguardaremos a decisão final deste caso, com a certeza de que estamos contribuindo para que seja preservado um dos maiores direitos do cidadão, que é o direito à privacidade e à salvaguarda dos assuntos de foro íntimo.

Atenciosamente

Dr. Olavo Lebre Cabrito
advogado

blah disse...

huauahauhuahuahua

aê seu OLavo Cabrito... VAI TOMAR NO CÚ!!! huahhuahuaauhuahauhauhauhau

aê Diogo, o Velho Nestor é Phodda, com Ph de pharmácia e dois d de Toddy. Apesar de que eu acredito em vida após a morte huahuahuahuahauahuauhauhahuahua

fui!

Diogo Lyra disse...

É amigos, sinto informar que o Sr. Olavo Lebre Cabrito, o advogado das celebridades, está correto. Inclusive, sou obrigado a confessar que na segunda e terça-feira - dias em que o FQL não funcionou - estive reunido com minha Equipe Jurídica para analisar o caso.
Como vocês mesmos podem ver, fomos obrigados a cancelar a série "Memórias Descontínuas de um Grandessíssimo Filho-da-Puta: o diário secreto de T. Botelho Pinto" e tivemos que publicar, às pressas, uma das cartas do Sr. Nestor Loureiro.
Lamento amigos, mas eu não tenho como subornar a Justiça.

Anônimo disse...

Ai que deleite minhas manhãs de quinta ou de sexta hheheheh...

PS: Se acaso você for em cana levo cigarros, aguardente, livros, etc., o que você quiser em troca dos seus contos de quinta...

Beijocas

Tchello Melo disse...

Alguns seres humanos renunciam a conscicência, por ser dolorosa, embora redentora, em prol de uma satisfação estritamente materialista e efêmera. Os desejos sempre pedirão - ordenarão - mais. A questão está em superá-los, longe de qualquer autobeatificação, a recompensa está na própria superação.

Let's disse...

Me lembrei desse video no youtube, não sei se tá já ssistiu...

às vezes é preciso uma cirança na ECO 92 pra gente acordar...
ou não...

nós somos os invasores da terra!

http://www.youtube.com:80/watch?v=5g8cmWZOX8Q

bjus!

Anônimo disse...

Nossa, o velho Nestor é implacável mas também é bem espertinho! Porque ele quer morrer um dia antes do cataclisma?!!!
rsrsrsrsrsrsrs
Beijos!!!

Vivi disse...

Bom, acho que vai ficar imenso, mas trago abaixo um poema de Alberto Caeiro, que traz uma visão interessante do não pensar sobre o mundo, acho que tem a ver com esse texto e você vai gostar:

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Samantha Abreu disse...

nossa...
que fundo profundo!

tô adorando o Nestor cada vez mais. Daqui a pouco ela vira uma estátua para idolatria.. escuta só!

um beijo!