quinta-feira, abril 12, 2007

Contos de Quinta...


O Sonhador


Fechou os olhos e lançou-se ao sono, ao sonho, insano. E pela dureza da vida, vivida de olhos e chagas abertas, de muito sol que se queima a pele, de muita chuva que molha o corpo, de tanto sol que se quer na chuva, de tanta chuva que se quer no sol, sonhou com seu próprio corpo os sonhos de sua mente e viu, de olhos fechados, todo o sol e toda a chuva que na vida desejava ter.

No sonho de sua vida, vivido, apenas sono. No sono o sonho de outra vida, na vida em sonho um sono sentido nos restos de uma vida insana. Mas o sonhador era incapaz, por ser infeliz, e era infeliz por carregar os sonhos que desejava e mantinha não como um ideal, mas como um aspecto cinza de sua vida vivida de olhos abertos e chagas expostas, anulada pelo torpor convidativo do sonho fechado em si mesmo.

Não vivia a vida, portanto, como é de convir e, sobretudo, de exigir. Não abria os olhos, ignorava o sol e desdenhava da chuva. Sonhava para não sentir mais dor. Sonhava para sentir o mundo perfeito. Sonhava sem saber das imperfeições parte vital de toda e qualquer existência. Sonhava sem saber que a dor constituía logicamente sua própria condição e termo, como ser vivo que era.

Contudo, por mais que deitado o corpo, ludibriada a mente, o sonho que se sonha e se supõe melhor não vence, com sua doce estagnação, o tempo que passa, por dentro e por fora, em tempos diferentes, em rotação, translação e, especialmente, transformação. O tempo passa e carrega, junta ou desmantela, mas não poupa do sol e da chuva, perceptíveis aos olhos vivos, sentidos na carne crua, o corpo estagnado que a deitar se entrega.

O sonhador se engana e clama por clemência. No apogeu de sua euforia uma súbita expectativa de queda. E pensamentos temerosos, e rancores confusos, e culpa incerta. No clímax de sua rota apenas um cansativo caminho de volta. De estradas imperfeitas, de atalhos enganosos, de percursos doloridos. Ele se engana e clama por clemência.

Há muito que o sonhador deixou de lado seus verdadeiros sonhos. Substituiu sua vida por sono e, insano, sem se dar conta, no lugar de sonhos ele apenas sonha a dor...

22 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, lindo, lindo!
Beijos para você Sr. Lyra...

4rthur disse...

Tu tem a manha (pra não dizer "dom", palavra na qual deposito desconfiança) de escrever textos com narrativas cíclicas. Impossível, para mim, ler um texto desse sem voltar, se perder, buscar o fio novamente, até chegar ao fim e a fim de reler. De novo.

blah disse...

Muito bom!! Muito bom!!

blah disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Caramba rapaz, acho que esse foi o seu melhor conto. Muito foda mesmo...

Anônimo disse...

belo texto Lyra! parabéns!
um cheiro... =]

Tamires disse...

BRAVO! BRAVO!
MAGNIFICO TEXTO SR. LYRA,MEUS PARABÉNS!

Anônimo disse...

Lindo esse texto que mistura poesia e prosa. Sábio que és, sabes que o verbo viver não se conjuga sem dor, assim como sem sonhos, mesmo que insanos...
Mas sonhemos mais que o sonho insano do qual jamais se desperta, sonhemos em sonho o ainda-não da realidade de amanhã para que que ela possa, vindo ao nosso encontro consciente, tornar-se real, e dar-nos boas vindas!
Grande Dig, me faz sempre "querer" pensar um pouco mais e poetar um bocadinho.
Beijoca!

Nelson disse...

eita lelê, bom, bom e bom! abraço do botter - www.blonicas.zip.net

gigi disse...

Fodaço. Quanto aos sonhos, nunca desisto... corro atrás, de padaria em padaria. Sempre.

Beijos mil.

4rthur disse...

Dida, querida dida, sempre exuberante.

Poete, amiga, poete!

Miosótis disse...

Apesar da sua ausência....
Um presentinho

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 "Quando alguém nos ofende,
    devemos escrever na areia
    onde o vento do esquecimento
        e do perdão
    se encarregam de apagar;
    porém ..........      
    quando ele nos faz algo grandioso,
    devemos gravar na pedra da memória
        do coração,
    onde vento nenhum do mundo
        poderá apagar"..

   Fique bem.

 Tenha um Excelente FDS!!

      βείjσs ηo Ćoгαçãα
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Diogo Lyra disse...

Acho que eu poderia até trocar o comentário da Dida pela postagem...
Beijocas menina - sempre e muitas!

Bina Goldrajch disse...

Ah, os sonhos! estes realmente são perigosos. Já me peguei embriagada em vários deles, sonhando com coisas boas. Pena que o nosso amigo, nem nos seus sonhos, conseguiu ser mais feliz. Ou menos infeliz.

Anônimo disse...

bom

Cláudia I, Vetter disse...

Saudações!

Sinceramente...tomas minhas palavras.
Melhor deixar essa expressão vã nem forma errônea tomar.
Não teria como expressar a magnitude que me colocastes em sensação.

Não deixe de escrever estes contos que não me transparecem nada de quinta...

Cuide-se.

Corrdiais cumprimentos...t+.

Anônimo disse...

Você me faz sonhar uma vida menos boçal...

Beijocas

Samantha Abreu disse...

vc tá me saindo melhor do que encomenda, hein!
hehehee

esse aí, ao som de "dolce vita"... uia! que lindo!

beijos!

gigi disse...

atualiza.

gigi disse...

Meus comentários neste quintal estão suspensos até a estréia da coluna do Turco do Bigode.

Cascarravias disse...

pobres dos sonhadores...

Marco Ermida Martire disse...

Lembrou de Matrix!