quinta-feira, agosto 30, 2007

Contos de Quinta...

De: Nestor
Para: Humanidade

(carta 3)


Aqui estamos nós, outra vez, interagindo à distância, como convém aos humanos quando querem parecer civilizados. Obviamente que, considerada a ontologia da palavra “civilização”, nunca levei o termo realmente a sério e se o utilizo aqui é apenas porque sou humano e, nesse caso, leviano como vocês.

Eu finjo, como finge qualquer ser humano, que construo uma rede de relações saudáveis, que respeito seus componentes, que os tenho amor e que entregaria a minha própria vida, sem pensar, por qualquer um deles. Eu minto, como eles mentem. Nós mentimos, eu e você, sempre que estamos juntos – e assim somos felizes.

Mas o pior não é mentir para os outros – “seu vestido é lindo” – nem mentir para si mesmo – “eu não tenho culpa” – pois, afinal, somos apenas humanos. A grande insensatez, por incrível que pareça, é a tal noção da verdade. Perdão pela sinceridade, mas somos todos grandes loucos se cremos de alguma forma na existência dessa dama mordaz e passional que, desde já, será registrada sob o peso da maiúscula: Verdade.

Dama ou meretriz, a Verdade consiste, na verdade, no Deus único, de cada homem único, que forma o imenso panteão do monoteísmo politeísta da humanidade. Cada homem guarda consigo uma aurora, enfiada no bolso, pronta para ser sacada e iluminar igualmente todo o coletivo com o peso de sua grandiloqüência.

Digo que a Verdade é tão sordidamente humana justamente por se pretender sobre-humana; ela não verga e prevalece, supostamente, diante de tudo e todos, como uma tela de cinema que exibe seu conteúdo inconteste para um espectador passivo. A Verdade alimenta as guerras, opõe egos, depõe a sensatez e distancia o homem de sua verdadeira missão: a insignificância consciente.

Ah, quantas vezes me vi solapado por inúmeras Verdades, tão cruéis e nitidamente tão parciais que, ao fim e ao cabo, eram menos que demonstrações miseráveis de arrogância e descontrole. A Verdade é o cristianismo, o judaísmo, o terrorismo e todas as outras religiões; a Verdade é a política externa norte-americana e os desmentidos da Ciência. Não, a Verdade não está lá fora, nem aqui dentro. Ela se arrasta por entre pedras e lama e aponta a saída do paraíso.

Como ser humano que sou, desde 1910, reverencio a mentira dentro de seus contornos bem definidos e essencialmente humanos: ela é moldável, adaptável aos sujeitos e situações, ela é calculada, refletida e socialmente culpável. A mentira é o conforto da alma e o asilo das relações. Ela se opõe à Verdade e, entre uma e outra, estabelecemos a distância como ponto morto das nossas próprias intolerâncias.

Eu não tolero os humanos, a despeito de sê-lo. Eu minto, contudo. Por isso só falo a Verdade.


* Para ler as outras cartas do velho Nestor:

Carta 01

Carta 02


segunda-feira, agosto 27, 2007




Caros leitores, o Fundo de Quintal Literário encontra-se em plena fase de reestruturação para servir melhor toda a família brasileira. Neste exato momento as mentes mais brilhantes de todo o globo estão reunidas para transformar este blog em um espaço ainda melhor. É claro que andaram espalhando por aí que nós tentamos vender o FQL para um grupo de empresários japoneses e que eles ofereceram uma ninharia, mas tal boato é apenas maldade dos ricos e poderosos que planejam calar o Honorável Sr. Lyra - também acusado de verme preguiçoso - em sua luta pela justiça e solidariedade.

Não temam jovens, na próxima quinta-feira o Fundo de Quintal Literário faz sua reinauguração e retoma o fluxo natural das atividades. Enquanto nada acontece, preparamos para vocês um delicioso checklist, com algumas postagens de segunda categoria que, no caso, venderei aos senhores como "preciosidades do passado".

Cordialmente,

Lao Chi Chi.


terça-feira, agosto 21, 2007


EVITE
A
SENTENÇA...



por Dr. Iohannas Beebop.




1) Devo cortar o fio vermelho ou o azul?!

2) Isso não me parece um clitóris avantajado.

3) Tranquilo, chegando lá o pessoal me empresta algum...


(porque existem coisas que só são feitas
para provar que nunca deveriam ter sido feitas)


segunda-feira, agosto 20, 2007





Collor indica: Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez.







FHC indica: A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Julio Verne.








Lula indica: A Mão Esquerda, de Fausto Wolff




sexta-feira, agosto 17, 2007




"Você não gosta de mim, mas sua filha gosta"


terça-feira, agosto 14, 2007




Ela, que carregava o emblema da ansiedade desde o nascimento prematuro aos sete meses da gestação, saiu de casa apressada para uma entrevista e, sem pensar nos filhos que gostaria de ter, no carro que gostaria de comprar, sem nem pensar ao menos na doce vovó que, sentada, lhe suplicava para que tomasse o café-da-manhã, lançou-se à vida e foi atingida por um automóvel, morrendo precocemente aos 29 anos de idade.


domingo, agosto 12, 2007



"Mais vale um pai na mão do que dois voando"


sábado, agosto 11, 2007


Vez por outra nosso Fundo de Quintal Literário trará até vocês algumas das melhores postagens de outros blogs, procurando, assim, superar suas próprias limitações criativas e, sobretudo, homenagear as mentes em atividade na rede. Assim, dando prosseguimento à série, um post original de:


Gigi


cenas cariocas.

[praça XV. 13h. ponto final do 268]

– er... toma aqui sua pizza.

– não quero. você sempre me deixa com fome! fui te dar um pedaço da minha pizza, você avançou nela que nem um bicho... derrubou no chão... seu bicho!

– mas aqui... comprei outra pra você! toma!

– comprou com que dinheiro que você não tem dinheiro? você nunca tem dinheiro, você não comprou merda nenhuma. essa é aquela do chão. seu bicho!

– não... eu comprei!

– essa é aquela do chão, eu que não como isso. tá pensando que eu como lavagem? quem come lavagem é a sua mãe!

– escuta aqui, agora você está passando dos limites. me dá um trago desse cigarro aí!

– não dou, não! não dou trago nenhum não que teu ônibus vai sair... senão você vai derrubar o meu cigarro, seu bicho! não tem educação não? parece que foi criado no mato... EEEEUUU fui criada no mato e tenho educação! seu bicho!

– err...

– e tua irmã, que trabalha na termas?

– ...

* Textos com visões inusitadas, escritos no bom português,
você só encontra se mergulhar

Dentro da Noite Veloz

quinta-feira, agosto 09, 2007



Chaupiscos Digressivos: a metafísica do cocô

O mundo coprofólico enfrenta, com o passar dos tempos, uma série de entraves situados para além do mau funcionamento intestinal. Não se trata, contudo, de um debate recente este que, por nós, intelectuais da escatologia, é conhecido como metafísica do cocô.

Nesse sentido, é no texto bíblico do Gênesis que encontramos, sob aura sacra, a primeira referência acerca do tema, explícito no relato sobre a criação. A passagem reveladora do texto sagrado conta sem pudores aos homens de bom coração que, no início dos tempos, “do barro (de Deus) fez-se o homem”.

Desde então, na tentativa de compreender seu lugar no mundo, a raça humana procurou respostas para sua condição universal e, no curso evolutivo de sua história singular, subverteu crenças, derrubou dogmas e instaurou, por repetidas vezes, uma nova perspectiva, diametralmente oposta à anterior, sobre a relação homem/merda.

Com o Iluminismo, e a crença no homem como centro do mundo, nasceu a corrente filosófica que pregava justamente o contrário do texto bíblico de Gênesis. Sua argumentação fundamental dizia que “se do barro fez-se o homem, do Homem também se faz o barro”. Nesses tempos de luzes os banheiros eram locais de efervescentes trocas, freqüentados por intelectuais e artistas interessados em experimentar a sensação divina do ato da merda. A estátua “O Pensador” - uma das mais famosas esculturas de bronze do escultor francês Auguste Rodin – é uma homenagem ao espírito engrandecedor desse período.

Os novos tempos modernos trouxeram consigo uma reviravolta na realidade do cocô. Do Iluminismo à Revolução Industrial, o homem passou a se sentir tão igual a Deus que resolveu renegar sua obra, no caso, a merda, e cagar para o próprio homem. Por muito tempo os operários de todo o mundo – homens, mulheres e criancinhas – foram tratados como dejeto e jogados no vaso sanitário do capitalismo para que os governos dessem descarga...

Atualmente a pós-modernidade vem suscitando questões relevantes sobre a relação cotidiana estabelecida entre o homem e a merda. Um dos estudos mais interessantes sobre o tema vem do antropólogo russo Brunov Cardovsky Osorov, que estuda o papel do papel higiênico no dia-a-dia do homem pós-moderno. O intelectual propõe uma visão dualista sobre “o ato da limpeza barro-metafísico representado pelo papel higiênico”, que consiste, segundo sua teoria, numa “escolha coordenada assindética entre dois tipos clássicos de papel: o rasga-cu e o borra-dedo (Osorov, 2005).

Ferir o ânus ou borrar o dedo: eis a questão dos novos tempos. Entretanto o que não muda, desde que o primeiro hominídeo pisou na Terra, é que somos seres cagantes e a única coisa que nos diferencia dos outros animais é que tratamos a merda com vergonha. A despeito de fazermos as maiores cagadas do planeta.


Dr. Iohannas Beebop

PHD em Escatologia

Universidade Chicago, Boston.


quarta-feira, agosto 08, 2007



MANCHA DO PASSADO

Definitivamente ela o amava e não foi em vão que jurou estar ao seu lado na alegria e na tristeza, na saúde ou na doença. Desde que o conhecera sabia que era o homem de sua vida, fato este confirmado em cada abrir de portas, em cada casaco oferecido e, sobretudo, no companheirismo diário que fazia dele seu maior cúmplice. Mas agora, aquilo...

A mulher que julgava ter o marido perfeito, isto é, extremamente bem sucedido - um "homem de negócios", como ele mesmo dizia -, bonito, inteligente e compreensivo, descobrira uma terrível mancha em seu passado, bastante recente, por sinal. Ela, na condição de mulher e companheira, se questionava se tinha o dever de aceitar, ou melhor, de se sujeitar a um borrão, uma mácula fétida e vexatória como aquela, revelada no mais íntimo porão da vida de seu amado.

Quando o dito cujo chegou em casa, após um longo dia de trabalho, tudo o que desejava era um bom banho e um jantar pronto, mas antes teve que ouvir, por uns bons vinte minutos, a patroa reclamando e dizendo que nunca mais lavaria uma cueca dele que estivesse suja de cocô.


segunda-feira, agosto 06, 2007

sábado, agosto 04, 2007

quinta-feira, agosto 02, 2007

Contos de Quinta...

O CErco
(ou
"A TORRE")

Suportado por paredes de concreto imaginário, o homem ergueu seu castelo e cercou de muralhas sua recôndita fortaleza. Do outro lado do muro um mundo contra o qual lutava para impedir que adentrassem, e pilhassem, e destruíssem, e reconstruíssem, na praça de suas ilusões, um sem número de duras realidades.

Não era sem razão, contudo, o temor do homem aprisionado na segurança de seus sonhos: bem ali, diante de si, já se mostravam nítidos os efeitos devastadores com os quais haveria de arcar, no caso ver irrompidas suas defesas, o seu precioso Eu. Eram tantos, de tão quantos, não só homens e mulheres reais, com suas diligências reais, mas também – e sobretudo – um sem número de entes fantasmagóricos a exigir, brandindo correntes, foices e molhes de chaves, sua parte no quinhão dourado fortemente protegido à custa da autonegação do homem.

Apesar da vastidão, não havia ninguém em sua propriedade. Seus amigos, amantes, parentes e rostos conhecidos de todo o tipo se encontravam fora de sua cidadela, talvez recém evadidos de medo, talvez aguardando desde sempre uma chance verdadeira de entrarem - quem sabe expulsos sutilmente por ele mesmo de seu paraíso particular. Estava confuso e estava só. Mas a despeito da solidão e da razão embriagada, quem sabe por isso, encontrava-se, também, convicto de sua vitória frente ao cerco.

Conforme a agitação do lado de fora aumentava, e tudo então parecia prestes a ruir, o homem buscava o alto de seu palácio, onde julgava ter uma visão privilegiada de tudo o que se passava, esquecendo-se, convenientemente, que nas alturas de sua torre sem fim encontrava-se cego por névoas de espessa camada irrefletida. Porém era ali, justamente em meio às brumas de sua própria verdade, que o homem procurava tijolo por tijolo da muralha e saudava, com regozijo e desespero, a frágil solidez de sua condição.

De olhos fechados então o homem rezou, dirigindo uma prece a si mesmo. Com sua fé inabalável, cercado por gritos que vinham ecoando ao longo de toda a sua vida, passeou por entre bolas de fogo, lanças, flechas e arpões com placidez, admirado pelos desenhos que formavam ao riscar o céu. Estava maravilhado com sua inquebrantável resistência e via no lastro de sangue deixado atrás de si uma prova irrefutável de sua própria santidade. Sequer ao cair, quando então a torre desfez-se sob seus pés, ele temeu por sua segurança.

O homem pensava poder levitar...