Contos de Quinta...
De: Nestor
Para: Humanidade
(carta 3)
Aqui estamos nós, outra vez, interagindo à distância, como convém aos humanos quando querem parecer civilizados. Obviamente que, considerada a ontologia da palavra “civilização”, nunca levei o termo realmente a sério e se o utilizo aqui é apenas porque sou humano e, nesse caso, leviano como vocês.
Eu finjo, como finge qualquer ser humano, que construo uma rede de relações saudáveis, que respeito seus componentes, que os tenho amor e que entregaria a minha própria vida, sem pensar, por qualquer um deles. Eu minto, como eles mentem. Nós mentimos, eu e você, sempre que estamos juntos – e assim somos felizes.
Mas o pior não é mentir para os outros – “seu vestido é lindo” – nem mentir para si mesmo – “eu não tenho culpa” – pois, afinal, somos apenas humanos. A grande insensatez, por incrível que pareça, é a tal noção da verdade. Perdão pela sinceridade, mas somos todos grandes loucos se cremos de alguma forma na existência dessa dama mordaz e passional que, desde já, será registrada sob o peso da maiúscula: Verdade.
Dama ou meretriz, a Verdade consiste, na verdade, no Deus único, de cada homem único, que forma o imenso panteão do monoteísmo politeísta da humanidade. Cada homem guarda consigo uma aurora, enfiada no bolso, pronta para ser sacada e iluminar igualmente todo o coletivo com o peso de sua grandiloqüência.
Digo que a Verdade é tão sordidamente humana justamente por se pretender sobre-humana; ela não verga e prevalece, supostamente, diante de tudo e todos, como uma tela de cinema que exibe seu conteúdo inconteste para um espectador passivo. A Verdade alimenta as guerras, opõe egos, depõe a sensatez e distancia o homem de sua verdadeira missão: a insignificância consciente.
Como ser humano que sou, desde 1910, reverencio a mentira dentro de seus contornos bem definidos e essencialmente humanos: ela é moldável, adaptável aos sujeitos e situações, ela é calculada, refletida e socialmente culpável. A mentira é o conforto da alma e o asilo das relações. Ela se opõe à Verdade e, entre uma e outra, estabelecemos a distância como ponto morto das nossas próprias intolerâncias.
* Para ler as outras cartas do velho Nestor:
27 comentários:
Desculpem-me. O lance da "reformulação completa" foi apenas um ardil do Sr. Lao Chi CHi...
Adorei!!! Sou fã do Nestor.
Mandei e-mail pra vc, abriu concurso pra professor da puc.
bjim
Afinal uma volta em grande estilo! Também sou fanzoca do Nestor - a primeira carta é sensacional!
Beijos!
evite que nestor passe perto de terapeutas ou bloquinhos de receita azul. a humanidade precisa dessas cartas.
Peço desculpas a todos os seres humanos miseráveis que leram este texto preguiçoso. É que eu não raciocino bem na primavera...
Juro que é Verdade.
obs: Sr. Cascarravias, agradeço o apreço. Senhoritas Gigi e Roberta, agradeço igualmente a gentileza de ambas.
É isso aí Digas! Nosso blog já está na área e convido todo mundo a conhecer!
Abraço!
Ainda não li, tenho reunião agora mas depois volto e leio com calma.
só vim dizer que last fm é a parada. Depois conversamos sobre isso.
é verdade, seu Nestor. Espero que você passe dos cem anos, pra que continue a nos elucidar sem meias palavras ou meias verdades. E não tema as críticas de quem não aguenta o peso da verdade. Nietzsche também não temeu. E ele tinha um bigode de verdade.
Sem a Verdade, a lógica, esse compromisso, não teríamos a cîência, enfim, não seria possível conceber uma vida como a que temos hoje, que não sei se é boa, mas é a que temos, e no mínimo funcional. Enfim, sem a Verdade nao teríamos esse bloge toda a revolução da internet. Cuidado ao ler o bigodudo, ter aquilo como a Verdade é um contrasenso. abraço.
Nestor é um camarada firme, de honra sólida; defende-se sem negar, afirma sem atacar; elogia sem carícias e humilha com afagos. Usa a mentira a bem da verdade, quando seu grande trunfo é a dúvida. Faz-nos duvidar do que temos entre as pernas e, sem legendas, admiramos tuas palavras como se as tivéssemos entendido. Para os pequenos, explico: não é nem dama, nem meretriz, é filha. Não existe compreensão além das orgias e incestos, e isso todos sabem. Que me digam então, os que consideram barba, sinônimo de sabedoria, se os bodes andam preocupados em separar verdades de mentiras. Admiro-te, mister Nestor, tua postura faz-me lembrar meu pai. Encerro meu modesto comentário com a mais verdadeira das mentiras; como já dizia o velho deitado, ‘quem sabe, faz; quem não sabe, ensina.‘
Na verdade Nestor, até mesmo o sol de meio dia gera sombras.
A Verdade é: Tudo é água, tudo é um!!
aê...depois q eu tomei um ácido fiquei achando a mesma coisa que o Tales...me indentifiquei, aê...
The Truth is out there!!!
The truth is that I´m from Brokeback Mountain, São Paulo, USA.
impecável, como sempre, sr nestor!
estou dizendo a verdade...
Putz!
adorei Diogo!
o cara tá virando meu "oráculo"
ahahahahaa
fantástico!
e tava mesmo sentindo tua falta!
beijoooo
Ns Verdade só a mentira é de Verdade? Eis aí uma Verdade Verdedeira!
Os contos de quinta são tudo! valeu, meu velho
Se barba fosse sinônimo de sabedoria, los hermanos seriam filósofos (e eu estaria fudido).
E se cabelo grande fosse onda, mendigo era playboy.
E se ruga fosse sinal de velhice, meu saco era pré-histórico.
Sr. Lyra, equipe do FQL e visitantes.
Convido-lhes a ler as fábulas de pakkatto no meu humilde blog, atualizado aleatoriamente.
dizer que a verdade não existe é sempre complicado (mesmo porque isso caracteriza a própria afirmação como mentirosa.. é uma afirmação auto-destrutiva) .. contudo, dizer que a ciência tem algum tipo de relação direta com a verdade, como o fez o comentador AnalíticO também é, pelo menos ingênuo..
muito boa carta, Sr. Lyra
O que seria da ficção sem a mentira?
Eu sempre achei a mentira melhor companheira. A verdade parece mais uma daquelas mocinhas sem sal das novelas globais...
Já disse que adoro a literalradio?
:)
Talvez mentira e verdade nem mesmo se oponham tanto assim...talvez a verdade também seja "moldável, adaptável aos sujeitos e situações". Bjos!
fabrício, não afirmei em momento nenhum uma "relação direta" entre verdade e ciência. mas sim, a verdade, o compromisso com a verdade, com a lógica, como condição negativa, é o motor da ciencia. não acredito que seja ingenuidade minha,
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